A tradução de 'poética seca' é 'realidade'...
E você diria: 'mas poesia é amor!'
'Sim!' - continuaria eu, com um sorriso cheio de possibilidades - 'Mas amor não é tudo!'

'Realidade é amor com escolha... amor é base... escolha é sentido!'


Entre sem bater!

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Carta 1 - Saudades...

Oi, mãe.

Tô passando pra dar um oi. Você se foi há um mês. Os espaços continuam vazios.

Por aqui tenho dito que tá tudo bem. Que as coisas tão voltando para os lugares certos. Que o tempo é o melhor amigo e o principal remédio. Que o céu tá em festa. Que o pai e as avós, que partiram anos atrás, tavam com saudades. E às vezes fico procurando, como se estivesse distraído, um entardecer alaranjado, daqueles que roubam as nossas dores.

Há um mês, quando o médico disse "olha, tentamos de tudo, mas...", o chão, as paredes, o telhado, tudo sumiu. Puff! E alí, escorregando no eco daquela dor que apenas se avizinhava, não havia mais a minha casa. O terreno cedeu e engoliu tudo. Cadeira, relógio, luminária, fogão, cama. Tudo. Nesse limbo, no corredor do hospital, vi uma senhora que aguardava atendimento. Perguntei se ela poderia segurar a minha mão. "Claro, filho", ela respondeu me estendendo a dela. Ficamos alí, de mãos dadas, quietos. Eu esbocei algumas frases meio sem nexo. Ela me dizia que tudo ia ficar bem. Foi um ato de misericórdia, eu acho. Foi o que me permitiu não ser tragado junto com a mobília. Resisti até que chegasse a cavalaria. E a cavalaria chegou.

Um mês. Agora, a falta e a aceitação andam misturadas numa dança meio bizarra. É o processo, né?

E tá tudo certo, mãe, tá tudo certo...

Ah, sim, seus netos vão bem. Eu falo pra eles sobre o poder curativo do tempo... e eles aceitam. E eu também.

Quando alguns alicerces se vão, a gente tem que descobrir como continuar segurando o telhado. E essa talvez seja umas das habilidades mais impressionantes do ser humano.

Eu sigo aqui buscando entardeceres alaranjados.

Te amo, mãe! Saudades...