A tradução de 'poética seca' é 'realidade'...
E você diria: 'mas poesia é amor!'
'Sim!' - continuaria eu, com um sorriso cheio de possibilidades - 'Mas amor não é tudo!'

'Realidade é amor com escolha... amor é base... escolha é sentido!'


Entre sem bater!

terça-feira, 17 de junho de 2014

FOI O MAR QUE ME VIU














Olhei o mar.
A brisa quente ardia na pele desacostumada, amarelo-acinzentada, espelho do concreto.
Há muito tempo não via o mar.

É costume na cidade evitar a sujeira do chão,
Contrair os músculos para não esbarrar no outro,
Andar depressa para chegar logo aos inacabáveis compromissos.

Mas ali, não. Apenas barulhos do mar quebrando e a perspectiva de uma ducha quente antes de dormir.
Minha agitação interna não combinava com o clima ameno do lugar. Eu trazia comigo tanto receio, tanto medo. Nem sabia de onde vinham.
Pensei em entrar na água, mas finquei os pés na areia grossa. A razão não dava trégua.
A brisa, o calor, um começo de entardecer e minha solidão, tudo me dizia para entrar na água. Mas o que fazer com o medo que me fazia prisioneiro daquele pedaço seco de praia?

Resolvi deixar o tempo passar, um pouco. Respirava fundo. Deixava a música do vai e vem da água despregar meus pés. Depois de minutos, que mais pareciam horas, dancei até o mar.
Ah, as contradições. Ah, os fantasmas obsessores.
Estava eu lá. Entrando assustado no mar. “Coragem, rapaz”. Caminhava devagar, gato escaldado. Os pés? Firmes no chão como âncoras. As ondas até que tentavam. Minha mente resistia.
Aproveitei uma brecha em minha neurose, respirei fundo e soltei os músculos.
Passei por baixo de uma onda quebrada que desplantou meus pés e me lançou ao desconhecido.
Doía tanto não sentir o chão. Quase não conseguia abrir os olhos. “Quando me tornei tão pesado? Não sou assim.” Não era.
O ar. Faltou o ar.
O coração disparava. Solto no mar tranquilo, tremia de pensar em como seria flutuar sem chão. Qual seria o aprendizado? Me deixei ali e respirei, respirei. Aliás, respirar foi um dos meus grandes aprendizados em anos de crises de ansiedade. Respirava e a vida voltava a pulsar. Respirava. Respirava.
A água morna me acariciava. A brisa havia esfriado. O sol brilhava vermelho no céu. E eu continuava respirando. Vivo. Respirando.
Mais calmo, arrisquei olhar para os meus pés.
Não era hora. Não os via. Não via o chão.
A água turva impedia o olhar, permitia apenas a intuição, a sensação de que havia um chão. Mas era só uma ideia. Me desesperei denovo. “Como colocar os pés no chão se não sei o que há lá embaixo?”, gritava minha mente agitando a água. “Como? Que monstros me esperam? Que tubarões estariam espreitando aquele pedaço de mar?”
Não, eu não me reconhecia naquela covardia. Não podia seu eu. “Não, rapaz. Medo de quê exatamente? Qual o bicho que te atacou, quem te mordeu?”. Ah, mente turbulenta...

“Nenhum monstro me mordeu, nada aconteceu”, respondi ávido de vingança, querendo revanche contra a minha própria mente.
Pois bem, nenhum bicho havia me mordido. Não ali, na água morna, gostosa, durante aquele entardecer que quase passou por mim sem que eu o degustasse. O medo cega de uma tal maneira, com tal empenho. Mas naquela revanche me abri para o abissal espaço que me separava de mim. Rocei os pés no fundo do mar. Senti a areia. Boiei. Senti apenas carinho. Continuei respirando.
Ah, medo ilegítimo. Ah, ansiedade trapaceira. Ah, covardia. Xô!
Os últimos raios vermelho-dourados do sol marcavam o céu. As primeiras estrelas davam pinta de diamantes. O coração, ainda inseguro, não batia mais de medo, mas pulsava de ternura. Boiei mais um pouco, olhando o teto do mundo e as minhas limitações.
Senti que podia. Sabia que podia. Era hora. Mergulhei... e deslizei, orgulhoso de mim, para a areia da praia.
Lá, molhado e firme, nem lembrei de fincar os pés.
Andei.
E sorri sem olhar para trás.